domingo, 13 de abril de 2008

Casa de Bonecas - Capítulo 5

Uma história para Clara

Ana aceitou prontamente o convite. Clara ligou antes de sair para as compras. Também convidou Geórgia, que já tinha um compromisso, mas prometeu que ia dar uma passada. Ela ficou um pouco assustada com aquele almoço na casa de Clara, com a presença de Ana. Achou, no mínimo, estranho. Afinal, duas pessoas tão diferentes. De mundos tão distantes. E ainda havia uma antipatia transparente no ar entre elas. Mas resolveu que aquilo não era problema. Pelo menos não para ela, já que adorava as duas. E teria que realmente dar um jeito de ver aquilo de perto.
As compras tomaram toda a manhã de Clara. Mas estava um dia ensolarado de céu azul. E ela estava na expectativa daquele “evento”. Então as horas voaram. Voltou para a fazenda por volta do meio dia. Sua avó já havia almoçado. Por isso resolveu apenas beliscar alguma coisa e voltar sua atenção para o seu trabalho: o livro estava parado. Nos últimos dias não conseguia escrever nada que considerasse decente. Pegou um xícara de café daquelas enormes e sentou-se em frente à tela branca. Quase branca, na verdade. Havia muita coisa ali, apenas esperando uma continuidade. Deu uma lida rápida em tudo que havia escrito até aquela meia página branca. Era a história de uma mulher de sucesso. Aos 35 anos já havia alcançado suas metas de vida. Tinha dinheiro, beleza, um homem que a amava. Mas sentia-se vazia. Oca em algum lugar. Uma mulher que depois de alcançar sua independência e supremacia profissional, sentiu falta do que sempre evitou: uma vida simples, filhos, casa pra cuidar: uma família. Clara via-se em sua personagem. Mas não sentia exatamente essa ausência. Na verdade, sentia falta do que não conhecia. Ainda. Pensou em Ana. Em como se deixara levar por uma amizade tão inesperada. Tão impensada. Mas estava gostando daquilo. E nem entendia bem por quê. De repente, inerte em seus pensamentos absortos, começou a escrever e a tarde rendeu mais de três capítulos bem estruturados. A inspiração voltara, enfim. Satisfeita, fechou o micro. E foi até a cozinha. Nem acreditou quando percebeu que já estava escuro. A noite chegou depressa. Depois de tomar a deliciosa sopa de fubá genuinamente mineira, preparada por dona Zica, cozinheira e grande amiga de sua avó, Clara tomou um banho demorado. E, depois de trocar dois dedos de prosa com sua querida avozinha, dormiu ansiosa pelo dia que estava por vir.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Casa de bonecas - Capítulo 4

Eu e minha avó



Café da manhã de Minas é tudo na vida de uma pessoa que mora na correria de São Paulo. Meu coração é mineiro. Na briga pelo ouro, sinceramente não me importei sobre quem foi o real vencedor, desde que Minas continuasse com toda a comida!!! Tão cedo e eu estava rindo sozinha! De repente me toquei que poderia acordar dona Te... Nem terminei o pensamento:

- Dona Tereza!!! Dormiu bem? - perguntei.
- Unhum.

Ah, véia turrona, como te gosto! - Pensava eu olhando pra cara séria dela. Vovó não gostava muito de falar quando acordava. Mas comigo não tinha jeito. Eu começava a falar besteira e logo ela soltava um...

- Pára, essa menina!

Claro que sempre seguido de risos. Vovó tentava resistir às minhas pérolas, mas não tinha jeito. E quando o assunto era...

- Tá namorando algum moço? Tô achando que cê tem que arrumar um casamento - ela dizia preocupada com meu futuro.

Agora era a minha vez...

- Unhum.
- Acha menina!!! Isso é resposta??? - Indignada falava a velha mulher dona de grande parte do meu, às vezes, gelado coração.

Mas agora meu coração era quente porque era mineiro. Café da manhã na velha fazenda de Dona Tereza não podia faltar pão de queijo, broa, milho cozido, doces e biscoitos caseiros.

- Benditos sejam os portugueses e todas as especiarias que trouxeram em seus navios! - Falei rindo, já esperando a indignação!
- Minha família veio da Alemanhã - Informou-me em sinal de protesto.
- Mas a senhora nasceu em Mi-nas! - Falei em tom de deboche, rindo.
- Mi-nas, Mi-nas, menina irritante - fingia-se de brava.

Daí eu beijei ela, né?! Pois era o que ela estava me pedindo. Minha avó tinha um jeito estranho de pedir as coisas, mas o que importava mesmo era que eu a entedia e sabia sempre exatamente o que ela queria. Esse momento seria o mais apropriado para falar dos meus planos para o dia seguinte. Ela estava descontraída. Ana era filha do prefeito, que sempre foi amigo de vovó. Ocorreu-me que talvez vovó não se importasse de ter Ana ali. Geórgia era minha amiga de infância. Como pra vovó ninguém crescia, aquilo seria juntar as crianças! Tomei fôlego e falei o que estava pensando. Para minha surpresa, ela não apresentou nenhuma resistência. Pareceu até gostar da idéia. Acho que minha presença na fazenda havia acalmado o coração da minha avó. Bom, agora eu tinha que mexer o corpo. Havia alguns meninos que ajudavam no serviço da fazenda - filhos do Zé e Jão, homens de confiança de vovó - as mulheres da casa, as meninas, ou seja, tinha que ser algo pra muita gente. Eu só queria gente de casa na comilança. Era importante não constranger vovó e manter aquele bom humor.