sábado, 10 de maio de 2008
Casa de Bonecas - Capítulo 6
A Festa
Eu nunca consegui relaxar em véspera de festa. Sempre preocupada com os detalhes. Sou detalhista. As coisas têm que estar nos conformes, milimetricamente em seus devidos lugares. Mas sabia que no final de tudo, com a ajuda de dona Zica, daria tudo certo.
Os meninos do Jão e do Zé, a pedido de vovó, já haviam preparado a carne para o churrasco. Dona Zica e as meninas preparavam as delícias da minha infância. E eu estava feliz!
- Será que vamos dar conta de comer isso tudo? – falei olhando para toda aquela comida.
- E os menino dexa sobrar alguma coisa, Clarinha?!!! – Constatou dona Zica, já rindo do que falava.
Ouvi barulho de carro e fui até a varanda na frente do casarão. Eram os meninos chegando com a mesa. De tão grande, tiveram que posicioná-la verticalmente na caminhonete. E depois havia a preocupação de como tirá-la do galpão quando a festa acabasse, pois o acesso pela lateral, o único, era íngreme. Bom, decidi que não ia ficar pensando naquilo. Desci para o galpão, debaixo do casarão. Dona Teresa orientava os meninos. Achei excelente. Como vovó estava se envolvendo naquilo! Estava realmente mais animada e isso me deixava feliz.
- Não vá se exceder.
- Té parece que não dou conta – minha avó reclamou.
A noite, enfim, caiu. O aconchego do galpão nos chamava. A brisa anunciava que seria uma bela confraternização. Os meninos tocando moda de viola lembraram-me papai. Quando eu era criança, era ele quem comandava a roda, sempre muito animada. Vovó se sentou na cadeira de balanço, no canto. Ria para os meninos que tocavam. Parecia que estava se divertindo bastante.
Percebi a chegada de Ana quando ouvi a cantoria mais animada. Os meninos galantearam Ana com uma moda de viola. Ana corou. Eu ri. Achei aquilo tudo muito engraçado.
- Vê se posso com esses meninos danados! – estava vermelha.
- Eles são danados mesmo, Ana! – disse vovó sorrindo.
- Um pouco abusados, não é vó?! – complementei.
- Deixa os meninos, Clara! – defendeu Ana.
- Às vezes ela é meio rabugenta mesmo, Ana! – riu vovó.
Eu ri também. Agarramos na prosa. A comida estava divina, a música definitivamente agradava os ouvidos. Mas ainda faltava Geórgia. Lá pelas tantas ela apareceu. Juntou-se a nós na boa conversa. As horas fugiram de nós e permanecemos ali. Vovó foi apanhada pelo sono, assim como todos os outros. A fogueira mais adiante, sob as estrelas, cercava o quarto lado do galpão que ainda permanecia quente. Restamos as três, noite adentro numa prosa que não tinha fim.
- Geórgia, você perdeu a entrada triunfal de Ana hoje mais cedo. – ri.
- Não brinca?! – falava Geórgia levando a mão na boca mostrando espanto.
- Com direito a música pra mulher bonita e tudo!
- Mas essa Ana!!! – falava Geórgia já um pouco alta por causa do vinho.
Rimos da cara boba que fez Ana. Eu havia notado os olhares do mais velho de Jão pra Ana. Decidi cutucar!
- Vocês viram como o Horácio cresceu?
- Uma delicinha, não é? – Geórgia estava alta mesmo!
- É sim, amiga. Não acha Ana? – perguntei esperando a reação dela.
- Acho... Acho sim!
Neste momento Geórgia olhou pra mim. Eu olhei para ela. Depois olhamos juntas pra Ana: gargalhamos as três! As luzes da cozinha se acenderam, criando um grande facho no quintal, competindo com a fogueira.
- Acho que rimos alto demais! – disse Ana.
Levamos as mãos na boca num riso sufocado. Coisa de meninas arteiras com medo do castigo. Saí da cobertura do galpão olhando para cima, focando a janela. Era dona Zica, quase num sussurro.
- Clarinha, sua avó já dorme!
- Vamos moderar Zica! – prometi a ela.
Olhei para Ana e Geórgia que ainda riam. Levei o dedo indicador aos lábios para que se contivessem.
Geórgia tão solta, sem saltos e sem maquiagem, como eu nunca havia visto antes! Ana tímida, mas revelando sentimentos... E logo Ana, tão altiva, agora tímida?
- E você, Clara? – disse Geórgia não conseguindo mais segurar nenhuma dúvida.
- Eu o quê, Geórgia? – falei já esperando o que estava por vir.
- Sei que tem alguém te esperando na Capital. Conta!
- Agora é a minha vez de rir. – disse Ana.
- E a minha vez de corar? – falei descontraída.
- Não enrola Clara! – dizia Geórgia.
Eu olhei em direção à fogueira. Olhei para o céu e constatei que a madrugada realmente seria longa.
domingo, 13 de abril de 2008
Casa de Bonecas - Capítulo 5
Uma história para Clara
Ana aceitou prontamente o convite. Clara ligou antes de sair para as compras. Também convidou Geórgia, que já tinha um compromisso, mas prometeu que ia dar uma passada. Ela ficou um pouco assustada com aquele almoço na casa de Clara, com a presença de Ana. Achou, no mínimo, estranho. Afinal, duas pessoas tão diferentes. De mundos tão distantes. E ainda havia uma antipatia transparente no ar entre elas. Mas resolveu que aquilo não era problema. Pelo menos não para ela, já que adorava as duas. E teria que realmente dar um jeito de ver aquilo de perto.
As compras tomaram toda a manhã de Clara. Mas estava um dia ensolarado de céu azul. E ela estava na expectativa daquele “evento”. Então as horas voaram. Voltou para a fazenda por volta do meio dia. Sua avó já havia almoçado. Por isso resolveu apenas beliscar alguma coisa e voltar sua atenção para o seu trabalho: o livro estava parado. Nos últimos dias não conseguia escrever nada que considerasse decente. Pegou um xícara de café daquelas enormes e sentou-se em frente à tela branca. Quase branca, na verdade. Havia muita coisa ali, apenas esperando uma continuidade. Deu uma lida rápida em tudo que havia escrito até aquela meia página branca. Era a história de uma mulher de sucesso. Aos 35 anos já havia alcançado suas metas de vida. Tinha dinheiro, beleza, um homem que a amava. Mas sentia-se vazia. Oca em algum lugar. Uma mulher que depois de alcançar sua independência e supremacia profissional, sentiu falta do que sempre evitou: uma vida simples, filhos, casa pra cuidar: uma família. Clara via-se em sua personagem. Mas não sentia exatamente essa ausência. Na verdade, sentia falta do que não conhecia. Ainda. Pensou em Ana. Em como se deixara levar por uma amizade tão inesperada. Tão impensada. Mas estava gostando daquilo. E nem entendia bem por quê. De repente, inerte em seus pensamentos absortos, começou a escrever e a tarde rendeu mais de três capítulos bem estruturados. A inspiração voltara, enfim. Satisfeita, fechou o micro. E foi até a cozinha. Nem acreditou quando percebeu que já estava escuro. A noite chegou depressa. Depois de tomar a deliciosa sopa de fubá genuinamente mineira, preparada por dona Zica, cozinheira e grande amiga de sua avó, Clara tomou um banho demorado. E, depois de trocar dois dedos de prosa com sua querida avozinha, dormiu ansiosa pelo dia que estava por vir.
Ana aceitou prontamente o convite. Clara ligou antes de sair para as compras. Também convidou Geórgia, que já tinha um compromisso, mas prometeu que ia dar uma passada. Ela ficou um pouco assustada com aquele almoço na casa de Clara, com a presença de Ana. Achou, no mínimo, estranho. Afinal, duas pessoas tão diferentes. De mundos tão distantes. E ainda havia uma antipatia transparente no ar entre elas. Mas resolveu que aquilo não era problema. Pelo menos não para ela, já que adorava as duas. E teria que realmente dar um jeito de ver aquilo de perto.
As compras tomaram toda a manhã de Clara. Mas estava um dia ensolarado de céu azul. E ela estava na expectativa daquele “evento”. Então as horas voaram. Voltou para a fazenda por volta do meio dia. Sua avó já havia almoçado. Por isso resolveu apenas beliscar alguma coisa e voltar sua atenção para o seu trabalho: o livro estava parado. Nos últimos dias não conseguia escrever nada que considerasse decente. Pegou um xícara de café daquelas enormes e sentou-se em frente à tela branca. Quase branca, na verdade. Havia muita coisa ali, apenas esperando uma continuidade. Deu uma lida rápida em tudo que havia escrito até aquela meia página branca. Era a história de uma mulher de sucesso. Aos 35 anos já havia alcançado suas metas de vida. Tinha dinheiro, beleza, um homem que a amava. Mas sentia-se vazia. Oca em algum lugar. Uma mulher que depois de alcançar sua independência e supremacia profissional, sentiu falta do que sempre evitou: uma vida simples, filhos, casa pra cuidar: uma família. Clara via-se em sua personagem. Mas não sentia exatamente essa ausência. Na verdade, sentia falta do que não conhecia. Ainda. Pensou em Ana. Em como se deixara levar por uma amizade tão inesperada. Tão impensada. Mas estava gostando daquilo. E nem entendia bem por quê. De repente, inerte em seus pensamentos absortos, começou a escrever e a tarde rendeu mais de três capítulos bem estruturados. A inspiração voltara, enfim. Satisfeita, fechou o micro. E foi até a cozinha. Nem acreditou quando percebeu que já estava escuro. A noite chegou depressa. Depois de tomar a deliciosa sopa de fubá genuinamente mineira, preparada por dona Zica, cozinheira e grande amiga de sua avó, Clara tomou um banho demorado. E, depois de trocar dois dedos de prosa com sua querida avozinha, dormiu ansiosa pelo dia que estava por vir.
terça-feira, 1 de abril de 2008
Casa de bonecas - Capítulo 4
Eu e minha avó
Café da manhã de Minas é tudo na vida de uma pessoa que mora na correria de São Paulo. Meu coração é mineiro. Na briga pelo ouro, sinceramente não me importei sobre quem foi o real vencedor, desde que Minas continuasse com toda a comida!!! Tão cedo e eu estava rindo sozinha! De repente me toquei que poderia acordar dona Te... Nem terminei o pensamento:
- Dona Tereza!!! Dormiu bem? - perguntei.
- Unhum.
Ah, véia turrona, como te gosto! - Pensava eu olhando pra cara séria dela. Vovó não gostava muito de falar quando acordava. Mas comigo não tinha jeito. Eu começava a falar besteira e logo ela soltava um...
- Pára, essa menina!
Claro que sempre seguido de risos. Vovó tentava resistir às minhas pérolas, mas não tinha jeito. E quando o assunto era...
- Tá namorando algum moço? Tô achando que cê tem que arrumar um casamento - ela dizia preocupada com meu futuro.
Agora era a minha vez...
- Unhum.
- Acha menina!!! Isso é resposta??? - Indignada falava a velha mulher dona de grande parte do meu, às vezes, gelado coração.
Mas agora meu coração era quente porque era mineiro. Café da manhã na velha fazenda de Dona Tereza não podia faltar pão de queijo, broa, milho cozido, doces e biscoitos caseiros.
- Benditos sejam os portugueses e todas as especiarias que trouxeram em seus navios! - Falei rindo, já esperando a indignação!
- Minha família veio da Alemanhã - Informou-me em sinal de protesto.
- Mas a senhora nasceu em Mi-nas! - Falei em tom de deboche, rindo.
- Mi-nas, Mi-nas, menina irritante - fingia-se de brava.
Daí eu beijei ela, né?! Pois era o que ela estava me pedindo. Minha avó tinha um jeito estranho de pedir as coisas, mas o que importava mesmo era que eu a entedia e sabia sempre exatamente o que ela queria. Esse momento seria o mais apropriado para falar dos meus planos para o dia seguinte. Ela estava descontraída. Ana era filha do prefeito, que sempre foi amigo de vovó. Ocorreu-me que talvez vovó não se importasse de ter Ana ali. Geórgia era minha amiga de infância. Como pra vovó ninguém crescia, aquilo seria juntar as crianças! Tomei fôlego e falei o que estava pensando. Para minha surpresa, ela não apresentou nenhuma resistência. Pareceu até gostar da idéia. Acho que minha presença na fazenda havia acalmado o coração da minha avó. Bom, agora eu tinha que mexer o corpo. Havia alguns meninos que ajudavam no serviço da fazenda - filhos do Zé e Jão, homens de confiança de vovó - as mulheres da casa, as meninas, ou seja, tinha que ser algo pra muita gente. Eu só queria gente de casa na comilança. Era importante não constranger vovó e manter aquele bom humor.
Café da manhã de Minas é tudo na vida de uma pessoa que mora na correria de São Paulo. Meu coração é mineiro. Na briga pelo ouro, sinceramente não me importei sobre quem foi o real vencedor, desde que Minas continuasse com toda a comida!!! Tão cedo e eu estava rindo sozinha! De repente me toquei que poderia acordar dona Te... Nem terminei o pensamento:
- Dona Tereza!!! Dormiu bem? - perguntei.
- Unhum.
Ah, véia turrona, como te gosto! - Pensava eu olhando pra cara séria dela. Vovó não gostava muito de falar quando acordava. Mas comigo não tinha jeito. Eu começava a falar besteira e logo ela soltava um...
- Pára, essa menina!
Claro que sempre seguido de risos. Vovó tentava resistir às minhas pérolas, mas não tinha jeito. E quando o assunto era...
- Tá namorando algum moço? Tô achando que cê tem que arrumar um casamento - ela dizia preocupada com meu futuro.
Agora era a minha vez...
- Unhum.
- Acha menina!!! Isso é resposta??? - Indignada falava a velha mulher dona de grande parte do meu, às vezes, gelado coração.
Mas agora meu coração era quente porque era mineiro. Café da manhã na velha fazenda de Dona Tereza não podia faltar pão de queijo, broa, milho cozido, doces e biscoitos caseiros.
- Benditos sejam os portugueses e todas as especiarias que trouxeram em seus navios! - Falei rindo, já esperando a indignação!
- Minha família veio da Alemanhã - Informou-me em sinal de protesto.
- Mas a senhora nasceu em Mi-nas! - Falei em tom de deboche, rindo.
- Mi-nas, Mi-nas, menina irritante - fingia-se de brava.
Daí eu beijei ela, né?! Pois era o que ela estava me pedindo. Minha avó tinha um jeito estranho de pedir as coisas, mas o que importava mesmo era que eu a entedia e sabia sempre exatamente o que ela queria. Esse momento seria o mais apropriado para falar dos meus planos para o dia seguinte. Ela estava descontraída. Ana era filha do prefeito, que sempre foi amigo de vovó. Ocorreu-me que talvez vovó não se importasse de ter Ana ali. Geórgia era minha amiga de infância. Como pra vovó ninguém crescia, aquilo seria juntar as crianças! Tomei fôlego e falei o que estava pensando. Para minha surpresa, ela não apresentou nenhuma resistência. Pareceu até gostar da idéia. Acho que minha presença na fazenda havia acalmado o coração da minha avó. Bom, agora eu tinha que mexer o corpo. Havia alguns meninos que ajudavam no serviço da fazenda - filhos do Zé e Jão, homens de confiança de vovó - as mulheres da casa, as meninas, ou seja, tinha que ser algo pra muita gente. Eu só queria gente de casa na comilança. Era importante não constranger vovó e manter aquele bom humor.
quarta-feira, 26 de março de 2008
Casa de Bonecas - Cap.3
Uma nova amiga?
Aquela tarde na casa de Ana deixou Clara mais alegre. Nem ela estava entendendo o que sentia. Seu rosto, na volta para a fazenda, mesclava um sorrisinho estranho nos lábios finos com um ligeiro risco na testa curta. Uma alegria desconfiada. Ficara impressionada com o luxo daquela casa enorme localizada bem no coração da cidadezinha, ao lado da praça central. Desde menina olhava o lugar com uma curiosidade ingênua, quando saía da escola. Afinal, como tudo naquela época, a casa parecia muito, mas muito maior do que era, na verdade. Ela chegara a pensar que ali morava uma princesa. Mas há muito tempo não acreditava em contos de fadas. E agora aquele casarão pertencia a Ana, sua nova provável amiga. Não ousara pensar nela como amiga. Mesmo depois de uma tarde descontraída. De bater papo e até descobrir uma coisa ou outra em comum. Mesmo assim ficou cautelosa. Porque para Clara, esse negócio de amizade é coisa séria.
No caminho para a fazenda, teve vontade de convidar Ana para almoçar com ela e a avó no domingo. Ficou imaginando a chegada triunfal de Ana, com o seu carro importado, na fazenda. Ela desceria com o seu salto agulha e teria dificuldades em andar no chão de terra. Riu, de repente, imaginando aquela cena patética. Pensou também no embaraço que a presença de uma pessoa altiva e bonita como Ana causaria em sua avó, que passava por um período tão desconfortável. Realmente seria uma péssima idéia esse convite. Mas queria retribuir aquela tarde agradável. Pensaria em alguma coisa. Chegou, enfim, à fazenda. A casa estava velha, assim como sua avó, mas muito bem cuidada. Tinha cheiro de perfume francês. Mesmo com a avó adoentada, ainda reinava ali toda a sua vaidade. Foi até o quarto onde a avó descansava. Ela já adormecera. Beijou sua testa e saiu, rumo ao seu próprio quarto, onde se deitou na cama estreita de menina e passou a encarar o teto. De repente teve uma idéia. Não tirou o tênis, nem mesmo o seu jeans. Virou para o lado e dormiu, satisfeita com o que pensou. Eram apenas oito horas da noite, mas Clara só acordou no dia seguinte, com as galinhas. E então, depois de tomar café com sua avó, foi para a cidade fazer as compras e providenciar tudo para a sua idéia. Mais tarde ligou para Ana.
No caminho para a fazenda, teve vontade de convidar Ana para almoçar com ela e a avó no domingo. Ficou imaginando a chegada triunfal de Ana, com o seu carro importado, na fazenda. Ela desceria com o seu salto agulha e teria dificuldades em andar no chão de terra. Riu, de repente, imaginando aquela cena patética. Pensou também no embaraço que a presença de uma pessoa altiva e bonita como Ana causaria em sua avó, que passava por um período tão desconfortável. Realmente seria uma péssima idéia esse convite. Mas queria retribuir aquela tarde agradável. Pensaria em alguma coisa. Chegou, enfim, à fazenda. A casa estava velha, assim como sua avó, mas muito bem cuidada. Tinha cheiro de perfume francês. Mesmo com a avó adoentada, ainda reinava ali toda a sua vaidade. Foi até o quarto onde a avó descansava. Ela já adormecera. Beijou sua testa e saiu, rumo ao seu próprio quarto, onde se deitou na cama estreita de menina e passou a encarar o teto. De repente teve uma idéia. Não tirou o tênis, nem mesmo o seu jeans. Virou para o lado e dormiu, satisfeita com o que pensou. Eram apenas oito horas da noite, mas Clara só acordou no dia seguinte, com as galinhas. E então, depois de tomar café com sua avó, foi para a cidade fazer as compras e providenciar tudo para a sua idéia. Mais tarde ligou para Ana.
segunda-feira, 24 de março de 2008
Casa de bonecas - Cap.2
Chá para Clara
- Oi.
- Oi. Entra! - disse Ana sorrindo.
Ana parecia estar feliz em me ver. Engraçada essa coisa de reencontrar
gente da infância. Eu nunca tive amizade com Ana. Para mim ela sempre
foi uma estranha. Não nos cumprimentávamos na escola e nunca fomos da mesma sala, de forma que, quando retornei à cidade ela era mesmo completamente estranha para mim. Não havia nenhum vínculo, não havia nada. Como podia ficar tão feliz em me ver?
- Geórgia me contou que você adora sequilhos - disse Ana esperando me agradar.
Ela me convidou para ir até à mesa. Estava posta: maravilhosa!
- Parece que Geórgia lhe contou sobre tudo que gosto - eu disse simpática e ela só sorriu com cara de "Sim, sou culpada, arranquei dela tudo sobre você...".
- Eu não vou fazer cerimônia. Vim correndo da prefeitura e não almocei.
Sabe, Geórgia é de casa, e as amigas dela também são minhas amigas. - disse Ana me deixando totalmente a vontade.
Achei aquilo ótimo. Detesto frequentar lugares onde as pessoas tentam
me deixar culpada pelo meu jeans surrado. A casa de Ana era maravilhosa, impecável, digna de uma mulher fina como ela. Mas, curiosamente, ela conseguia fazer todo aquele luxo combinar comigo. Logo comigo, uma mulher despojada, que não se importa muito com que as pessoas pensam.
- Veio para ficar? - perguntou-me olhando para a xícara de chá.
- Não sei ainda. Por enquanto é até Dona Teresa ficar boa, depois não
sei mais. - logo mudei de assunto - Estou tendo que redescobrir a
cidade. Tudo mudou muito por aqui.
Quando contei a Geórgia que minha volta tinha sido por causa do
agravamento da doença de vovó, também a pedi que não comentasse isso com outras pessoas. Vovó estava se debilitando cada vez mais. Não queria mais receber visitas, pois se sentia desconfortável com a perda dos cabelos. Se falássemos aos outros sobre isso, provavelmente encheriam a casa, e era justamente o que vovó, muito vaidosa, não queria. Por isso, não me alonguei com Ana sobre vovó. Por hora, só precisava saber que vovó estava se recuperando.
A tarde foi maravilhosa. Conversamos sobre amenidades, uma coisa bem
descompromissada de amigas que estão se conhecendo. Quando me despedi a noite já havia caído sem que a gente percebesse. Voltei para a fazenda. Vovó estava a minha espera.
- Oi.
- Oi. Entra! - disse Ana sorrindo.
Ana parecia estar feliz em me ver. Engraçada essa coisa de reencontrar
gente da infância. Eu nunca tive amizade com Ana. Para mim ela sempre
foi uma estranha. Não nos cumprimentávamos na escola e nunca fomos da mesma sala, de forma que, quando retornei à cidade ela era mesmo completamente estranha para mim. Não havia nenhum vínculo, não havia nada. Como podia ficar tão feliz em me ver?
- Geórgia me contou que você adora sequilhos - disse Ana esperando me agradar.
Ela me convidou para ir até à mesa. Estava posta: maravilhosa!
- Parece que Geórgia lhe contou sobre tudo que gosto - eu disse simpática e ela só sorriu com cara de "Sim, sou culpada, arranquei dela tudo sobre você...".
- Eu não vou fazer cerimônia. Vim correndo da prefeitura e não almocei.
Sabe, Geórgia é de casa, e as amigas dela também são minhas amigas. - disse Ana me deixando totalmente a vontade.
Achei aquilo ótimo. Detesto frequentar lugares onde as pessoas tentam
me deixar culpada pelo meu jeans surrado. A casa de Ana era maravilhosa, impecável, digna de uma mulher fina como ela. Mas, curiosamente, ela conseguia fazer todo aquele luxo combinar comigo. Logo comigo, uma mulher despojada, que não se importa muito com que as pessoas pensam.
- Veio para ficar? - perguntou-me olhando para a xícara de chá.
- Não sei ainda. Por enquanto é até Dona Teresa ficar boa, depois não
sei mais. - logo mudei de assunto - Estou tendo que redescobrir a
cidade. Tudo mudou muito por aqui.
Quando contei a Geórgia que minha volta tinha sido por causa do
agravamento da doença de vovó, também a pedi que não comentasse isso com outras pessoas. Vovó estava se debilitando cada vez mais. Não queria mais receber visitas, pois se sentia desconfortável com a perda dos cabelos. Se falássemos aos outros sobre isso, provavelmente encheriam a casa, e era justamente o que vovó, muito vaidosa, não queria. Por isso, não me alonguei com Ana sobre vovó. Por hora, só precisava saber que vovó estava se recuperando.
A tarde foi maravilhosa. Conversamos sobre amenidades, uma coisa bem
descompromissada de amigas que estão se conhecendo. Quando me despedi a noite já havia caído sem que a gente percebesse. Voltei para a fazenda. Vovó estava a minha espera.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Casa de bonecas
Capítulo 1
* Sob o olhar de Friendlyone:
Quando eu a conheci ela já era uma mulher poderosa. Não gostei dela. Nariz empinadinho. Odeio. A fama era de má, e eu quis acreditar nisso. Dela para comigo, estranhamente, havia uma certa doçura, mesmo gostando de me provocar. Eu não entendia aquilo. Acho que nem ela.
Um dia nos esbarramos na casa de uma amiga que tínhamos em comum. Mas não tinha outro dia para vir aqui? - pensei dando um sorriso amarelo. O fato é que a amiga demorou a aparecer na sala e fomos obrigadas a conviver por aqueles eternos instantes.
Ela imensamente desconsertada pela minha apatia, fixou o olhar na mesinha de centro onde descansavam alguns livros. Ao lado deles havia o que prendia a atenção dela: uma bonequinha de louça. De tão perfeita parecia ter sido feita à mão. Fiquei imaginando como poderia Geórgia, que eu considerava meio fútil, comprar algo tão delicado e de extremo bom gosto. Subitamente, ela, que me despertava tanto desprezo pela própria figura, decidiu interromper nosso silêncio.
- Eu trouxe isto da França. Uma lembrança para Geórgia.
- Delicada - disse eu sinceramente.
- Não gosto de bonecas - ela disse agora me olhando nos olhos.
O modo como ela me olhava causava em mim um sentimento adverso. Incomodava. Mas o fato é que achei aquilo estranho. Como pode alguém não gostar de bonecas e ainda assim presentear um outro alguém com uma? Ela, notando o quanto me deixou intrigada, mudou o assunto.
- Você é uma mulher muito inteligente para essa cidade. Não creio que irá se adaptar aqui.
- Quero muito que aconteça ao contrário. Minha família tem raízes aqui. E a fazenda... Gosto tanto. - Respondi pensando no quanto ela estava sendo intrometida. Odiava aquele jeito seguro dela de dizer as coisas. Falava como se já me conhecesse.
Geórgia finalmente apontou no corredor e nos recebeu animada. A bela mulher conversou com ela por cerca de dez minutos. Eu me distraia na varanda com as plantas de Geórgia quando a vi vindo em minha direção.
- Se não estiver ocupada na sexta gostaria muito de recebê-la em minha casa.
- Claro! - ensaiei um sorriso para ela.
E foi justamente naquela sexta-feira que comecei a conhecer a tal mulher que não era tão má quanto diziam.
Um dia nos esbarramos na casa de uma amiga que tínhamos em comum. Mas não tinha outro dia para vir aqui? - pensei dando um sorriso amarelo. O fato é que a amiga demorou a aparecer na sala e fomos obrigadas a conviver por aqueles eternos instantes.
Ela imensamente desconsertada pela minha apatia, fixou o olhar na mesinha de centro onde descansavam alguns livros. Ao lado deles havia o que prendia a atenção dela: uma bonequinha de louça. De tão perfeita parecia ter sido feita à mão. Fiquei imaginando como poderia Geórgia, que eu considerava meio fútil, comprar algo tão delicado e de extremo bom gosto. Subitamente, ela, que me despertava tanto desprezo pela própria figura, decidiu interromper nosso silêncio.
- Eu trouxe isto da França. Uma lembrança para Geórgia.
- Delicada - disse eu sinceramente.
- Não gosto de bonecas - ela disse agora me olhando nos olhos.
O modo como ela me olhava causava em mim um sentimento adverso. Incomodava. Mas o fato é que achei aquilo estranho. Como pode alguém não gostar de bonecas e ainda assim presentear um outro alguém com uma? Ela, notando o quanto me deixou intrigada, mudou o assunto.
- Você é uma mulher muito inteligente para essa cidade. Não creio que irá se adaptar aqui.
- Quero muito que aconteça ao contrário. Minha família tem raízes aqui. E a fazenda... Gosto tanto. - Respondi pensando no quanto ela estava sendo intrometida. Odiava aquele jeito seguro dela de dizer as coisas. Falava como se já me conhecesse.
Geórgia finalmente apontou no corredor e nos recebeu animada. A bela mulher conversou com ela por cerca de dez minutos. Eu me distraia na varanda com as plantas de Geórgia quando a vi vindo em minha direção.
- Se não estiver ocupada na sexta gostaria muito de recebê-la em minha casa.
- Claro! - ensaiei um sorriso para ela.
E foi justamente naquela sexta-feira que comecei a conhecer a tal mulher que não era tão má quanto diziam.
----------
* Sob o olhar de Luci:
Terça-feira, quinze para as quatro da tarde. O dia estava quente e Clara chegou cedo. Não havia trânsito. E não faltavam vagas para estacionar o carro naquela rua tão deserta quanto todas as outras da cidadezinha charmosa, mas pacata. Acostumada a calcular seu tempo baseada nas dificuldades do intenso tráfego de São Paulo, acabou chegando à casa de Geórgia bem antes da hora marcada.
Desceu com calma. Apreciou as flores do canteiro da rua. Coloridas e ingênuas: bucólicas como tudo por ali. Sentiu o ar puro e quase sorriu. Pegou, então, a bolsa grande que sempre a acompanhava e seguiu para a casa da amiga de infância, uma das poucas que ainda morava ali. Apertou a campanhia. Ventava. O ar quente queimava seu rosto moreno e dava nós nos cabelos cacheados, soltos e embaraçados. Ficou visivelmente irritada. Ouviu passos de mulher: o som picado do salto agulha. Olhou com cumplicidade para o seu tênis velho de guerra. Uma chave entrou na fechadura. Girou rápido. A porta abriu. Foi então que o doce sorriso de Clara ficou amargo. Não parecia mais um sorriso. A boca teimava fechar, mas ela continuava a mostrar os dentes. Tão contrariado aquele risinho sem graça.
Era Ana, a filha do prefeito da cidadela. Mulher alta, esguia, de ombros largos e pernas longas. Tinha os cabelos louros. Seu queixo era desenhado e seu vestido, azul piscina. Portava-se como uma rainha: o andar era seguro, mas suave. A voz rouca, mas firme.
Com um sorriso discreto, convidou Clara a entrar. Seguiram até a sala, onde se acomodaram à espera de Geórgia, que estava terminando de se arrumar.
Cada uma sentou em uma poltrona. Uma de frente para a outra. Em meio a detalhes minimalistas espalhados pelo cômodo bem decorado, um contraste se instalou com a chegada das duas mulheres: tão diferentes e tão bonitas. Cada qual com a sua delícia. Cada uma com a sua própria dor bem guardada. Clara deslizava as mãos pequenas sobre seu jeans surrado, num vai e vem apreensivo. Parou com o movimento irritante quando pairou o olhar sobre a boneca de porcelana que estava sobre a mesa de centro. Ana mantinha as pernas cuidadosamente cruzadas. Sua ansiedade era calculada. Mordia os lábios com delicadeza e conservava os olhos azuis fixos nos livros de arte, ao lado da boneca. Quanto desconforto. O silêncio estava prestes a gritar quando foi rasgado pela voz pujante de Ana, fazendo um comentário sobre a boneca de louça. Clara levantou os olhos. Respondeu curto. Sem sorrir. Sem qualquer esforço. Ana, ao contrário, demonstrava um interesse contido, mas verdadeiro, em agradar a moça. Tentava decifrar Clara. Seu olhar era um misto de admiração e curiosidade.
Então tocou naquele assunto: a volta repentina de Clara, depois de tanto tempo fora. Os olhos da moça ergueram-se depressa. Armados. Prontos para fuzilar Ana, sem piedade. Mas reprimiu sua revolta com uma resposta qualquer, interrompida pela chegada repentina de Geórgia, que entrou na sala sorrindo e falando ao mesmo tempo. Muito animada, como sempre. Abrandou o mal estar instalado.
Ana conversou rapidamente com Geórgia e, antes de sair, foi até Clara. Seus olhos azuis estavam sorrindo quando convidou-a para ir na sexta-feira à sua casa. Sonâmbula, Clara assentiu, sem perceber. Ana percebeu mas mesmo assim despediu-se com um sorriso verdadeiro. Saiu feliz e satisfeita. Clara ficou estática por alguns segundos, absorta naquele convite inusitado. Intrigada. Mas resolveu não pensar naquilo. Pelo menos por agora.
Na sexta-feira, decidiu deixar os rótulos de lado. Chegou à casa de Ana na hora marcada e foi recebida com um grande sorriso. Descobriu, então, que as coisas poderiam sim ser diferentes.
Desceu com calma. Apreciou as flores do canteiro da rua. Coloridas e ingênuas: bucólicas como tudo por ali. Sentiu o ar puro e quase sorriu. Pegou, então, a bolsa grande que sempre a acompanhava e seguiu para a casa da amiga de infância, uma das poucas que ainda morava ali. Apertou a campanhia. Ventava. O ar quente queimava seu rosto moreno e dava nós nos cabelos cacheados, soltos e embaraçados. Ficou visivelmente irritada. Ouviu passos de mulher: o som picado do salto agulha. Olhou com cumplicidade para o seu tênis velho de guerra. Uma chave entrou na fechadura. Girou rápido. A porta abriu. Foi então que o doce sorriso de Clara ficou amargo. Não parecia mais um sorriso. A boca teimava fechar, mas ela continuava a mostrar os dentes. Tão contrariado aquele risinho sem graça.
Era Ana, a filha do prefeito da cidadela. Mulher alta, esguia, de ombros largos e pernas longas. Tinha os cabelos louros. Seu queixo era desenhado e seu vestido, azul piscina. Portava-se como uma rainha: o andar era seguro, mas suave. A voz rouca, mas firme.
Com um sorriso discreto, convidou Clara a entrar. Seguiram até a sala, onde se acomodaram à espera de Geórgia, que estava terminando de se arrumar.
Cada uma sentou em uma poltrona. Uma de frente para a outra. Em meio a detalhes minimalistas espalhados pelo cômodo bem decorado, um contraste se instalou com a chegada das duas mulheres: tão diferentes e tão bonitas. Cada qual com a sua delícia. Cada uma com a sua própria dor bem guardada. Clara deslizava as mãos pequenas sobre seu jeans surrado, num vai e vem apreensivo. Parou com o movimento irritante quando pairou o olhar sobre a boneca de porcelana que estava sobre a mesa de centro. Ana mantinha as pernas cuidadosamente cruzadas. Sua ansiedade era calculada. Mordia os lábios com delicadeza e conservava os olhos azuis fixos nos livros de arte, ao lado da boneca. Quanto desconforto. O silêncio estava prestes a gritar quando foi rasgado pela voz pujante de Ana, fazendo um comentário sobre a boneca de louça. Clara levantou os olhos. Respondeu curto. Sem sorrir. Sem qualquer esforço. Ana, ao contrário, demonstrava um interesse contido, mas verdadeiro, em agradar a moça. Tentava decifrar Clara. Seu olhar era um misto de admiração e curiosidade.
Então tocou naquele assunto: a volta repentina de Clara, depois de tanto tempo fora. Os olhos da moça ergueram-se depressa. Armados. Prontos para fuzilar Ana, sem piedade. Mas reprimiu sua revolta com uma resposta qualquer, interrompida pela chegada repentina de Geórgia, que entrou na sala sorrindo e falando ao mesmo tempo. Muito animada, como sempre. Abrandou o mal estar instalado.
Ana conversou rapidamente com Geórgia e, antes de sair, foi até Clara. Seus olhos azuis estavam sorrindo quando convidou-a para ir na sexta-feira à sua casa. Sonâmbula, Clara assentiu, sem perceber. Ana percebeu mas mesmo assim despediu-se com um sorriso verdadeiro. Saiu feliz e satisfeita. Clara ficou estática por alguns segundos, absorta naquele convite inusitado. Intrigada. Mas resolveu não pensar naquilo. Pelo menos por agora.
Na sexta-feira, decidiu deixar os rótulos de lado. Chegou à casa de Ana na hora marcada e foi recebida com um grande sorriso. Descobriu, então, que as coisas poderiam sim ser diferentes.
Assinar:
Postagens (Atom)